O Anjo

Eles se conheceram da mesma que forma milhões de pessoas se conhecem todo dia, mas desde o primeiro momento algo os atraiu, quando estavam próximos a gravidade de seus corpos se alteravam e seus mundos uniam-se... impressionante como pareciam poder fundir-se em um só corpo tamanha compatibilidade de gostos, de anseios, de planos, tudo neles parecia se completar, juntos provavelmente seriam invencíveis.

Os gestos, os detalhes e as palavras sempre os encantaram... entre palavras não ditas em cartas milimetricamente cifradas que trocavam, foram construindo a relação deles... Ainda que para muitos, aquela relação se quer existisse de fato, entre eles tudo sempre foi entendido.

Um dia, suas mãos se separariam e sem que se percebessem em uma das bifurcações da vida tomariam caminhos distintos... e de longe se cuidavam desde então...  ainda que os caminhos por vezes os afastassem, ao se aproximarem era como se nunca tivessem separados por mais de 1 minuto. Mas caberia a um deles fazer uma escolha, e foi assim que o caminho menos óbvio fora escolhido por ele, mesmo que isso significasse abrir mão do que até então fora seu maior tesouro. 

O ato de devoção para muitos, era para ele um ato oculto de egoísmo, que disposto a não perder o que tanto desdenhara em outros tempos, aceitaria o que era possível de ser oferecido pelo outro. Os românticos talvez chamassem de amor incondicional, para ele era sobrevivência, era o ar que ele respirava!

E foi assim, que tornou-se um porto seguro ao outro, oferecendo o carinho e conforto que provavelmente fora negado em outras ocasiões, e assim, teve a chance de se fazer presente  na vida do outro...  zelando e cuidando de seu tesouro.  Depois, descobriria que aos Anjos cabe uma triste sorte, ser esquecido nos tempos de paz...

Talvez aquele dia fora a primeira vez que entenderá o porquê do outro sempre carinhosamente chamá-lo de Anjo... Talvez aquele dia fora a primeira vez que tivera a clareza, e coragem suficiente, para aceitar que esse seria seu papel a partir de agora... mas ainda assim repousaria feliz, se pudesse sentir o outro feliz.... e aceitaria então seu papel etéreo, sabendo que fizera algum bem ao outro... 

Ainda que não mais fosse possível tocá-lo como outrora.

De longe te hei-de amar
- da tranquila distância
em que o amor é saudade
e o desejo, constância.

Do divino lugar
onde o bem da existência
é ser eternidade
e parecer ausência.

Quem precisa explicar
o momento e a fragrância
da Rosa, que persuade
sem nenhuma arrogância?

E, no fundo do mar,
a Estrela, sem violência,
cumpre a sua verdade,
alheia à transparência.
(Cecília Meireles)

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E lá se vai a semana, em uma sexta-feira fria e quieta... onde no final, tudo parece estar no lugar e fica a sensação de que tudo deu certo!

Que venha uma nova semana! ;-)

Inté

9 comentários:

Anônimo disse...

E com a nova semana o desejo de acontecer que tudo fique bem não é mesmo?

Pq nós precisamos sentir acarinhados sempre por um anjo que nos acolha não é mesmo?

Muito bom ter sua companhia lá no novo Blog Latinha!

Excelente Semana que começa!

Rodrigo disse...

Que delícia...Cecília.
;)

Eduardo Paiva disse...

Fala Latinha!

Texto incrivelmente encantador!
Anjos, o que seria de nós sem eles? Alguns de nós já tiveram a grande sorte de encontrá-los, outros ainda buscam, mas o importante é manter sempre os olhos bem abertos para podermos perceber quando um deles aparece na nossa vida!

Este texto, me lembrou um techo de uma música:
"Onde está você agora além de aqui,
dentro de mim?" [Vento no litoral - Legião Urbana]

Forte abraço,
Eduardo.

FOXX disse...

tow aqui suspirando...

Nyno disse...

Latinha saudade de você! Confesso que foi seu comentário que me tirou da inércia. Preguiça minha, falta de vontade de postar, mas, está tudo bem. Passei um tempo lendo você. Simplesmente fantástico. Abraço!

Euzer Lopes disse...

Anjos, anjos, anjos.
Sim, eles existem.
Muitos, inclusive, são sim, de carne, osso e, principalmente, defeitos.
Talvez por isso eles podem ser anjos.
Porque passam por cima de suas limitações e podem ser surpreendentes.
Até mesmo num simples gesto. Que só os anjos seriam capazes de ter.

Anônimo disse...

Anjos, às vezes os encontramos, às vezes assim somos nós para outros, não é mesmo?

E que difícil tarefa essa de ser etéreo para alguém para o qual nos queremos tão carnal... Mais difícil ainda é, após aceita esta condição de ser etéreo, é aprender a ficar feliz vendo o outro feliz.

Difícil, não impossível.

Ps: te leio há algum tempo, desde que vc comentou algo lá no blog... mas devo confessar uma jequice: nunca comentei aqui pq sempre achei que os comentários eram desativados... sei lá... acessava a página inicial e não via o link explícito... Shame on me... eu sei... Sorry... ;)

Xêrinho!

Carlos Roberto disse...

Tive, em um momento da minha vida, uma obsessão por anjos. Não sou religioso, mas essa obsessão,talvez, existiu para personificar um desejo de salvação... Bem, deixemos isso para outro momento.
Lendo seu texto me lembrei do filme “Cidade dos anjos”... Chorei horrores [risos].

Tudo que é perfeito merece a morte. Infelizmente é assim. Não podemos sobreviver a algo estável, pois não somos assim... Se tudo está impecável a mudança é muito brusca e um pode sofrer [ ou os dois]. É terrível, estranho, doloroso de se pensar. Mas é a verdade. E dói.
Romantismo que é romantismo vê e bebe dessa fonte.

Raphael Martins disse...

Maneirissimo seu blog. Tô seguindo. Abcs!!

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